27 dezembro 2008

Bruel

fragmentos de um diálogo amoroso

Você acabou de acordar de um sono lépido e agitado
Porque dormir? Você me perguntou, desperta.
Não saberia responder-lhe, pelo motivo que era noite
Despertou em plena noite.
Sonhou?
Com o acordar e, quando levantava, estava num sonho
Como agora
Um beijo longo só faz sentido após inúmeros beijos curtos...
Porque, então, acordar?!
Só acordamos para dormir novamente, meu amor...

Bruel

continuação do texto de Setembro

Cruzando a porta se dirigiu até o centro da sala. Seu olhar estava fixo em si, não perdia um movimento. Sobre a pequena mesa aparecera o impensável: vísceras de todo o tipo banhadas em sangue, um sangue quase negro. Os órgãos tinham uma aparência não estranha... Seu recipiente, espécie de concha feita de ossos amarelados, em forma de abóbora. Engulho, náusea profunda sentira quando se viu a mastigar os antros. Uma tosse sobrenatural e estrondosa tomou conta devido ao cheiro de carne azeda lhe sufocando a fússa. Retumbando por todo o apartamento como um tambor infernal, cessou repentina e brusca. O silêncio era lentamente distorcido pelo crescente múrmurio da voz que soava, como que submergindo de um abismo, em seu ciciar inicial, já como uma multidão a grunhir. Foi tomando fôlego e forma por alta gravidade sepulcral, pronunciando essas palavras de dúvida e certeza: Mas, és uma cópia, simulacro ou representação exata ou imperfeita de mim mesmo!? Sim, és ti! Consciência ou coisa, aqui não importa! Caminhou por entre sombras e desertos ao longo de milênios, condenado a errar sob noite eterna, em busca do que se supunha ser. O olhar ébrio se dirigia aos próprios olhos e à bandeja contendo carne muda: Oh, que interessante gosto saliva em minha boca ao deliciar crua, fria, talvez carne da minha carne, como as estrelas e pedras da noite em união...
Amo o que não sou!
Ecoou tais palavras nas paredes frágeis, em uníssono, iniciando um tremor incessante e crescente: Aprecio então rugas em bonecas, triste crueldade dos palhaços, virtude dos assassinos na razão da insanidade... Gargalhou sem hesitar, extinguindo as últimas tentativas de compreensão daquilo. O teto emitia estalos de desabamento, prestes a sucumbir.
A proximidade entre os sósias era a de um palmo, se olhavam com espanto profundo quando, da direita, uma dentada desferida rápida atingiu a ponta de seu nariz, arrancando-lhe um pedaço:
A distorção é teu espelho!
Com tal frase foi-se para não voltar.